Num dos cantos do quarto a pequena aparelhagem cinzenta fazia soar o tema ''Everything Happens to Me'' do Chet Baker. Estava em modo 'Repetir'.
A tarde cinzenta espreitava pelos cortinados brancos da grande janela, e a chuva parecia encaixar perfeitamente na música.
A televisão estava ligada, mas sem som, apenas para fazer companhia... Ema sentia-se sozinha. Na série que estava a dar (a favorita de Ema) acabara de dar uma cena cómica que sempre a fez rir. Mas hoje, nem as parvoíces de 'Friends' a faziam sorrir sequer. Ema sentia-se sozinha.
Sentada na cama, encostada à vasta coleção de almofadas brancas e macias que a mãe fazia questão de manter, pegou num livro, e folheou as páginas, enquanto lia atentamente as frases tão bem escritas de David Lodge. Ema gostava muito de ler, de dias cinzentos, de música, e de se enroscar nas almofadas. Mas hoje, nem isso a deixava satisfeita.
Levantou-se da cama, aproximou-se da janela. Já não chovia. Viu o vento lá fora roçar-se nas árvores e fazer as folhas de Outono dançarem. Quase sem reação abriu a janela. O vento frio e forte abraçou-se a Ema, fez-lhe festas na cara, e fez com que o seu cabelo ondulasse e batesse como chicoteadas na face e no pescoço. O vento parecia até gritar.
Assustada pela violenta sensação de frio que sentiu de repente ao voltar a si, fechou a janela, e enquanto tentava aquecer os braços inclinou-se para o espelho do quarto.
Ema sempre tivera o aspeto de uma menina muito bonita, e agora, aos seus 17 anos, a beleza estava mesmo à flor da pele. A pele branca e sem imperfeições, o cabelo escuro e ondulado que emoldurava a cara, os olhos cor de mel, e o sorriso sempre presente faziam de Ema uma pessoa que dá automáticamente vontade de conhecer. E quando se conhecia realmente, ficava-se encantado. Estava sempre de bom humor, muito doce, e sempre positiva, pronta a ajudar tudo e todos.
Mas ultimamente estava diferente. Há tempos a sua cara começou a modificar-se: os olhos eram marcados por fortes olheiras, e o sorriso havia desvanecido.
Ao olhar-se ao espelho pôs as mãos na cara. Estava fria e o nariz vermelho.
Dirijiu-se ao armário e de lá retirou um pijama felpudo e que parecia ser dois números acima do seu, de calças azuis clarinhas e camisola branca. Para completar arranjou umas meias de pêlo azuis escuras.
Sentou-se à beira da cama, tirou as calças de ganga escuras e as meias pretas curtas, e vestiu apressadamente as calças azuis do pijama, que pôs por dentro das meias de pêlo. Depois tirou a camisola de lã que tinha vestida, pendurou-a, e vestiu a camisola do pijama.
Colocou-se diante do esplho outra vez, mirou-se de cima abaixo, e começou a chorar silenciosamente.
Nem o pijama de flanela aquecia o frio interior que a consumia.
É que Ema sentia-se muito sozinha.
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